Texto lido por Haroldo Ceravolo, da Alameda, na abertura do IV Salão, reflete sobre o impacto do cenário político sobre as editoras independentes

Nós, editores independentes, somos também testemunhas do rumo destrutivo que o país tomou depois do golpe de 2016. Como não poderia deixar de ser, a mudança abrupta de poder significou cortes e perdas de continuidade nas políticas do livro e leitura, paralisação de discussões centrais para a área e crise econômica severa, que atinge, inclusive, os grandes grupos do setor que apoiaram a derrubada do governo democraticamente eleito.

O fechamento de livrarias, cujo exemplo mais recente é o encerramento das atividades da loja da Fnac-Livraria Cultura de Pinheiros, é o sinal mais evidente desse retrocesso. Pequenas e médias livrarias pelo país enfrentam situação similar, enfraquecendo a capilaridade da circulação do livro.

A crise política e econômica decorrente do golpe se soma, neste momento, à transformação tecnológica radical do setor, talvez a mais radical desde a invenção da prensa, há 500 anos, com a formação de grandes redes de livrarias baseadas no big data, a organização de conglomerados mundiais de edição, as vendas pela internet e a digitalização acelerada, legalmente ou não, de conteúdos.

Tudo isso parece ser praticamente ignorado pelo governo e pelos parlamentares, que, a despeito de uma ou outra legislação para o setor, não conseguem conceber uma política geral para o livro e a leitura. Reina o laissez-faire improdutivo ou, melhor dizendo, destrutivo, para o mercado editorial e para o debate democrático que ele deveria sustentar.

A construção social de um projeto inclusivo de leitura é tarefa nada simples. A ideia de que a cultura é naturalmente boa era uma falácia que, com dificuldade, combatíamos, tanto na organização do Salão do Livro Político quanto na Libre – Liga Brasileira de Editoras, entidade que reúne editores independentes de todo o país.

Essa falácia por muito tempo deixou o livro fora do alcance de políticas públicas pensadas a fundo. Por muito tempo, acreditou-se que bastava distribuir livros às mancheias, como diz o poema. Ninguém discutia a mediação e a construção da leitura. Ninguém discutia se o conteúdo era libertador ou ideologicamente aprisionador. Ninguém discutia os livros e como torná-los vivos: o livro era uma entidade quase religiosa, cujas festas serviam à elite e deviam ser admiradas pelo povo.

Se essa ideia era paralisante e constrangia a democratização do livro, uma pior tomou a frente da cena: a de que o livro é potencialmente perigoso.

Viceja a ideia de que cultura é coisa de esquerdista-comunista-feminista-gayzista (como se essas palavras fossem ofensas…). De que a cultura letrada, tradicionalmente dominada pelos poderosos, é potencialmente perigosa quando apropriadas pelos de baixo e pelos condenados da terra.

Um novo governo democrático, no país, deve buscar mais democracia, mais participação e mais diversidade – racial, de gênero, cultural e editorial – na construção de sua política de leitura. Será preciso reconstruir um diálogo, no âmbito federal, que foi altamente produtivo de 2003 a 2010 para o setor do livro, encontrou algum recuo entre 2010 e 2016 e tornou-se bastante avesso à bibliodiversidade e às editoras independentes depois disso.

Este salão, agora em sua 4ª edição, é um sinal da importância que o livro tem para a política, para a emancipação dos trabalhadores e dos oprimidos e para a construção de um projeto alternativo de sociedade.

Sejam todos bem-vindos.

Por Haroldo Ceravolo

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