Texto: José Paulo Florenzano. Publicado originalmente no site Ludopédio.

Um simples ato de protesto contra as precárias condições de funcionamento do Calabouço, restaurante situado no centro da cidade do Rio de Janeiro, teve como desfecho trágico a morte de Edson Luis de Lima Souto, jovem de 16 anos, aluno do Instituto Cooperativo de Ensino, alvejado com um tiro no peito durante confronto com a polícia militar, ocorrido no fim da tarde de quinta-feira, 28 de março de 1968.[1] O corpo do estudante secundarista foi levado primeiro para a Santa Casa e, logo em seguida, carregado nos braços pelos colegas até a Assembleia Legislativa, onde acabaria autopsiado, velado e mitificado como símbolo da resistência à ditadura.

De fato, ao longo do velório improvisado no saguão da Assembleia Legislativa, artistas, intelectuais e militantes se revezavam numa tribuna imaginária para criticar de forma enfática a noite dos generais que se abatera sobre o país. Com efeito, no dia 1 de abril, segunda-feira, quando a “Redentora” celebrava o quarto aniversário, as ruas do centro da capital do antigo estado da Guanabara foram tomadas pelos protestos dos estudantes contra o assassinato de Edson Luis. Em reação às manifestações que o editorial de O Globo não hesitava em classificar de “baderna”, naquela mesma noite, tropas do I Exército ocuparam a cidade com tanques e caminhões, metralhadoras e espadas, a fim de conter a “horda de subversivos” que ameaçava a ordem pública.[2] Tratava-se de restabelecê-la o quanto antes e a qualquer custo. Não por acaso, circulavam pela imprensa rumores sobre a iminência de um decreto presidencial instaurando o Estado de Sítio.

Enquanto os soldados do I Exército tomavam posição nos pontos estratégicos da cidade, Jorge Aprígio de Paula, 29 anos, cumpria a rotina de sair de casa a noite para o Centro Espírita onde exercia a função de médium. Uma vez encerrados os trabalhos espirituais, Preto Rico, como era conhecido pelos amigos, retornava para casa, situada na Rua Pedro Guedes, no Maracanã, quando foi alvejado pelo disparo de uma arma carregada com a munição do preconceito racial. Com efeito, ao ingressar na Rua General Canabarro, Preto Rico recebera a ordem de “mãos ao alto”, proferida por um sargento que participava da ocupação militar. De acordo com a versão oficial, ao invés de atender a interpelação, o rapaz se pôs a correr, despertando a suspeita de que pretendia invadir a residência do ministro do Exército localizada na rua pela qual passava. Mas como viria a revelar posteriormente o exame realizado no Instituto Médico Legal, a bala que lhe ceifara a vida o atingira de frente, não de trás. Além disso, Preto Rico estava desarmado e a residência do ministro achava-se guarnecida por mais de quinze sentinelas.[3]

Edson Luis e Jorge Aprígio foram mortos com um tiro no peito, disparado por agentes do aparato de repressão, no contexto da ocupação da cidade. Mas enquanto o enterro do primeiro no Cemitério São João Batista, no bairro de Botafogo, atraía uma multidão calculada em cerca de cinquenta mil pessoas, o sepultamento do segundo no Cemitério da Solidão, no município de Belford Roxo, reunia apenas alguns parentes e amigos que carregavam o caixão para depositá-lo numa “cova rasa”, em meio à profunda indignação pelo “assassinato brutal e covarde” de um rapaz que – assegurava o testemunho de quem o conhecera na intimidade – era “ingênuo politicamente” e cultivava como “paixão verdadeira” apenas o “futebol”.[4] Além do encontro com a morte, agendado pela intervenção militar na capital da Guanabara, Edson Luis compartilhava com Preto Rico o objeto da mesma paixão, pois, segundo Dona Enedina, a tia do jovem estudante, ele desembarcara na “Cidade Maravilhosa” no dia 20 de dezembro de 1966, procedente do Pará, a fim de “tentar uma oportunidade no futebol carioca”.[5] Atrás do “grande sonho”, ele chegara inclusive a treinar no Campo Grande e no América, mas sem sucesso. O paralelo, porém, termina aqui. Ao contrário de Preto Rico, Edson Luis passara a se interessar por política, engajando-se na Frente Unida dos Estudantes do Calabouço, e, por conseguinte, nos protestos e reivindicações da categoria contra a ditadura.[6] As diferenças, contudo, não se limitavam ao componente ideológico. A comoção suscitada pela morte do segundo contrastava com a indiferença que cercava a queda do primeiro, como se entre elas não houvesse nenhum traço em comum, qualquer parentesco, constituindo, uma e outra, simples fatos desconexos que nenhuma análise coerente poderia reunir em um mesmo esquema explicativo.

Sendo assim, enquanto Edson Luis se transfigurava em mártir da luta contra o Golpe de 1964, catalisando os protestos que incendiavam a capital da Guanabara, Jorge Aprígio caía na vala comum das mortes de pretos e pobres anônimos, cujas vidas aviltadas não suscitavam comoção popular, indignação política ou editorial jornalístico, mas tão somente o registro passageiro de um acontecimento cotidiano, como o caso emblemático de Preto Rico, nota dissonante no quadro histórico da mobilização estudantil contra a ditadura militar. A sua morte, por assim dizer, não se encaixava no drama ritual que se desenrolava ao redor do assassinato do jovem paraense. Ele não tombou em combate na condição de militante estudantil, não perdeu a vida em meio a uma greve operária. Situado à margem das forças sociais que percorriam as artérias da antiga capital federal, veiculando, sobretudo, as mensagens de revolta dos setores radicalizados da classe média, o “assassinato” de Preto Rico passava despercebido, coberto por um manto de silêncio, incapaz de despertar a consciência dos moradores dos morros, vilas e favelas que com ele poderiam se identificar em virtude de uma experiência comum que os atingia no dia a dia, mantendo-os, pela violência, à distância das manifestações políticas.[7]

A despeito das medidas repressivas adotadas para contê-las, no entanto, as “manifestações diabólicas” promovidas pelos estudantes continuavam a assombrar as autoridades civis e militares. [8] A missa de sétimo dia de Edson Luis, programada para a quinta-feira, 4 de abril, na Igreja da Candelária, concentrava todas as atenções, despertando os temores de um confronto anunciado. Levando em consideração o clima que envolvia o culto político-religioso, dirigentes do América chegaram a solicitar à Federação Carioca de Futebol o adiamento da partida contra o Flamengo, marcada para as 21 horas e 30 minutos, ponderando que, “em virtude dos acontecimentos”, o torcedor poderia decidir “ficar afastado do Maracanã”.[9] De fato, convinha não ser a pessoa errada, no lugar errado, no momento errado. A desdita de um jovem negro chamado Roberto Carlos que o diga. Para mostrá-lo, porém, devemos reconstituir os fatos relativos à missa de sétimo dia.

Na quinta-feira, a Igreja da Candelária amanhecera sob um forte dispositivo militar, organizado com o propósito de impedir que as manifestações de protesto se repetissem nas ruas do centro, como ocorrera na efeméride da “revolução”. À medida que se aproximava o horário da missa, previsto para 11 horas e 30 minutos, aumentava a tensão na Praça Pio X. Colocados face a face, policiais e estudantes tomavam posição e se movimentavam de forma silenciosa. O silêncio, por assim dizer, pesava como chumbo. E só foi quebrado por um “mendigo bêbado”, o qual, alheio ao confronto político, pôs-se a proferir em altos brados “palavras sem nexo”. Também indiferentes aos acontecimentos, na calçada da Igreja, dois cegos “recolhiam esmolas” dos fiéis e dos ateus que ingressavam no templo, como se a batalha iminente não lhes dissesse respeito.[10]

A esta altura, a Igreja da Candelária se encontrava completamente cercada pelos soldados do Exército, policiais militares e fuzileiros navais, enquanto aviões da Aeronáutica e helicópteros da Marinha sobrevoavam a área, auxiliados no chão pelas viaturas do Departamento de Ordem Política e Social. Aguardava-se apenas o encerramento da missa para que o aparato repressivo pudesse afinal entrar em ação. E, com efeito, assim que o culto foi concluído, ela teve inicio. Consoante o registro da imprensa, os cavalarianos “atiravam” os animais contra a multidão, soldados espancavam as pessoas que tentavam deixar o local, ao mesmo tempo em que as camionetas do DOPS lançavam gás lacrimogêneo a torto e a direito. Encerrava-se, dessa maneira, sob a forma de um “verdadeiro massacre”, o primeiro tempo do confronto entre policiais e estudantes.[11] Após um breve intervalo, no entanto, os dois agrupamentos voltaram a se posicionar para o segundo tempo, marcado para a missa das 18 horas e 30 minutos. Consoante o jornalista Zuenir Ventura, houve, naquele ínterim, a solicitação do “poderoso general” Sizeno Sarmento para o cancelamento da partida. Mas o adversário manteve a disposição de jogar o jogo até o final. A tática consistia em evitar toda e qualquer provocação, fechar-se na defensiva, atuar apenas nas dependências da Igreja. Para que não pairasse nenhuma dúvida, a União Nacional dos Estudantes emitira uma nota, desaconselhando a realização de qualquer passeata após o culto. A nota do I Exército, por sua vez, comunicava que os atos religiosos só poderiam “ser celebrados no interior dos templos”.[12] Os contendores pareciam de acordo quanto às regras do jogo.

Falsa impressão! Por volta das 19 horas, quando a cerimônia religiosa chegou ao fim, os gritos de “mata, mata” dos soldados começaram a ecoar pela Igreja, difundindo o terror entre os presentes. Para evitar novo massacre, os dezesseis padres que haviam participado da celebração da missa deram-se as mãos, formando um cordão de isolamento para proteger e assegurar a saída dos estudantes.[13] O Globo reportar-se-ia ao episódio como “milagre na Candelária”.[14] Infelizmente, porém, a graça divina não alcançaria Roberto Carlos, o jovem negro de 18 anos, preso pelos agentes do DOPS na Avenida Rio Branco, diante da sede do Jornal do Brasil. De quem se tratava? De acordo com a reportagem do referido periódico, tratava-se de um “débil mental”, figura inofensiva, cujo transtorno psíquico notava-se pela fantasia que exibia no momento de sua detenção arbitrária, a saber: uma capa de borracha, com um tapa-olho de couro.

Travestido de pirata, ele exibia uma fantasia costurada com a imaginação criadora de quem confundira as manifestações de protesto com os desfiles de carnaval. Compondo a personagem com materiais diversos recolhidos ao longo do caminho, o pobre rapaz desfilava pela Avenida Rio Branco quando se deparara com uma faixa de pano, largada no chão, ao que tudo indica por algum grupo de manifestantes, na qual se lia a palavra de ordem: “Abaixo a ditadura”. Para os agentes do DOPS, auxiliados pelos integrantes de uma Rádio Patrulha, era a prova irrefutável do comprometimento de Roberto Carlos com a subversão. Acuado pela repressão, o jovem corsário procurava se justificar, explicitando o mecanismo da bricolagem que utilizara para compor sua personagem:

Moço, eu achei esse pano ali. Como ele é parecido com a minha capa, ia levar para casa.[15]

“Cala a boca, comunista”, interromperam a explicação os policiais. Conforme a matéria do Jornal do Brasil, eles obrigaram em seguida o rapaz a posar para os jornalistas com a faixa subversiva que o incriminava, “para mostrar à cidade e à população do que as estamos livrando”. A foto, com efeito, sairia estampada na edição do dia seguinte, exibindo a imagem aterrorizada de um jovem negro rodeado por policiais brancos que estampavam no rosto a sensação do dever cumprido. Ao círculo de curiosos que se formara em torno da cena, no entanto, Roberto Carlos pedia uma explicação capaz de ao menos tornar inteligível o pesadelo no qual ingressara: “Por que fazem isso comigo?” Decorridos cinquenta anos do episódio, a indagação continua mais do que nunca atual, lembrando-nos o valor diferencial das vidas, a lógica regulatória das comoções, a ordem normativa subjacente ao quadro social onde os corpos de pobres e negros têm sido simbolicamente depreciados, fisicamente torturados e impunemente eliminados, enquanto os discursos oficiais celebram a existência da democracia racial.[16]

Sem obter qualquer resposta à pergunta que enunciara na Avenida Rio Branco, Roberto Carlos assistia – impotente – as providências adotadas pelos agentes da repressão para lhe alterar a identidade. Sem dúvida, para que a acusação se mostrasse crível, convinha substituir a fantasia de pirata pela de comunista. De acordo com o relato do Jornal do Brasil, os policiais utilizaram todos os recursos cênicos disponíveis para levar a cabo a obra de prestidigitação, enfiando no bolso do pobre rapaz uma foto de Mao Tsé-Tung, um recorte do Correio da Manhã e duas bombas vazias de gás lacrimogêneo.

A nova fantasia se coadunava, afinal, com o enredo macabro escrito pela equipe formada por membros do DOPS e integrantes da Rádio Patrulha. Não havia dúvida, aos olhos de uns e outros, ele era um subversivo, e, ainda por cima, pobre e negro. Nesse sentido, poder-se-ia dizer que, à fúria anticomunista da conjuntura política, somava-se o racismo visceral da formação histórica, conjunção letal que nos ajuda a entender a sequência dos acontecimentos relativos ao jovem alienado da Avenida Rio Branco. Pois, uma vez feito o registro fotográfico da prisão, e providenciada a substituição da indumentária de pirata pela de comunista, os agentes da repressão empurraram-no para dentro da viatura, dando início ali mesmo à sessão de espancamento: “Você vai morrer, idiota”, gritava um policial, enquanto os demais se atiravam sobre a vítima, aplicando-lhe uma “tremenda surra de pontapés, coronhadas e socos”, consoante o registro do Correio da Manhã.[17]

Dessa maneira, tinha início “a longa viagem de Roberto Carlos até o DOPS”, uma viagem da qual, como se sabe, muitos presos jamais retornaram.[18]

O dispositivo de poder implantado no país abrange, sobrepõe e aciona diversas lógicas raciais, delimitando as áreas de atuação dos negros, determinando os espaços privilegiados dos brancos, distinguindo, entre os primeiros, os que podem ser objeto da tortura física e da humilhação moral, daqueles que, ao contrário, possuem uma espécie de salvo conduto para se deslocar pela vida social, recolhendo ao longo do trajeto homenagens sinceras. De fato, naqueles dias febris de abril, entre uma manifestação e outra, em um raro momento de armistício, figuras lendárias da história do samba, como Donga, João da Baiana e Pixinguinha, deixavam o Bar Gouveia na Travessa do Ouvidor, onde se refugiavam para saborear antigas histórias da boemia, dirigindo-se a Assembleia Legislativa na Praça XV, onde inúmeras autoridades civis aguardavam o autor de Carinhosoa fim de homenageá-lo pelo septuagésimo aniversário.

Acompanhado da velha guarda do samba, e de braços dados com Clementina de Jesus, Pixinguinha paralisava o trânsito nas ruas do centro, sendo “ovacionado por populares e motoristas, que abriam caminho” para lhe dar passagem. Nas ruas transversais, “mesmo com sinal aberto, os carros paravam”, reverentes, diante do desfile de músicos e cantores brasileiros que mais se assemelhava a um cortejo de reis e rainhas africanos. Aproveitando a trégua, os expoentes da cultura popular cruzavam o cenário de uma cidade polarizada pelas lutas políticas, convulsionada pelas barricadas estudantis, submetida ao terror de Estado.[19] Nos idos de abril de 1968, com efeito, era como se cada grupo social, no Rio de Janeiro, seguisse um itinerário próprio, vivesse uma temporalidade diversa, por exemplo, a da via que conduzia ao futuro próximo da revolução, a da transversal que levava ao passado nostálgico do samba, a do cotidiano que transportava para o eterno presente do futebol.

Os caminhos divergentes, no entanto, por vezes se cruzavam, reunindo os atores em um mesmo cenário. Nesse sentido, como salientava a historiadora Gisella de Araújo Moura, de uma forma ou de outra, o Rio corria para o Maracanã, ponto de convergência possível das personagens retratadas no presente artigo.[20] Para reuni-las no templo do futebol, contudo, devemos retornar ao clássico entre América e Flamengo, disputado na mesma quinta-feira em que a cidade celebrava a missa de sétimo dia de Edson Luís. De fato, no transcorrer da etapa final, o repórter Esso da Rádio Globo trouxe em edição extraordinária a informação do assassinato de Martin Luther King. O anúncio da morte do líder do movimento pelos direitos civis teve um impacto profundo nas gerais e arquibancadas, contrariando a máxima de Nelson Rodrigues, segundo a qual o Maracanã vaiava até minuto de silêncio.[21] Conforme a reportagem de O Globo: “Foi um silêncio espontâneo e até mesmo impressionante”, observado com reverência enquanto a bola rolava dentro de campo.[22]

A homenagem, contudo, poderia ter se estendido a Roberto Carlos, preso e torturado pelos agentes da repressão poucas horas antes da realização da partida; poderia ter incluído Preto Rico, assassinado nas imediações do estádio que provavelmente costumava frequentar, quem sabe, na condição de torcedor do rubro-negro; ou, ainda, ter evocado Edson Luis, o migrante paraense que desembarcara no Rio trazendo na bagagem o sonho adolescente de ser aclamado como ídolo de futebol pela massa torcedora no Maracanã, mas que, ao invés disso, acabara carregado nos braços de uma multidão, ao longo de uma marcha fúnebre, para ser sepultado sob a luz de velas e ao som da Valsa do Adeus.


[1] O restaurante Calabouço tinha sido construído pelo Governo para atender à demanda dos estudantes que, sem recursos, provenientes de vários estados do país, dependiam da “alimentação barata”, caso, precisamente, de Edson Luis. Ventura, Zuenir (1988) 1968: o ano que não terminou. Rio de Janeiro, Nova Fronteira, p.104.

[2] Cf. “Turbas de agitadores armados desafiaram a polícia nas ruas”, O Globo, 2 de abril de 1968 e “Exército ocupa a cidade a pedido de Gama e Silva”, Jornal do Brasil, 2 de abril de 1968. A expressão “horda de subversivos” consta da nota oficial emitida pelo I Exército.

[3] Cf. “Operário baleado 2ª feira sepultado em Belford Roxo”, Jornal do Brasil, 4 de abril de 1968.

[4] Tratava-se do testemunho feito pelo médico Isauro Ferreira da Costa, que criara Preto Rico desde os 6 anos de idade, quando a mãe do rapaz fora contratada como empregada doméstica. Conforme a reportagem do Jornal do Brasil, na noite do “assassinato”, ele voltava do centro espírita para a residência do médico.

[5] Cf. “Indignação cerca família de Edson”, O Globo, 5 de abril de 1968. A cobertura do jornal, decerto, pretendia apresentar o jovem secundarista como um bom rapaz, interessado em praia e futebol, vítima das “companhias nocivas” do movimento estudantil. Esta caracterização, contudo, não invalida a informação segundo a qual, ao se transferir para o Rio, Edson Luis acalentara a princípio o sonho de se transformar em jogador de futebol.

[6] De acordo com Zuenir Ventura: “A FUEC era a prima pobre da UNE, da AMES, da UME, isto é, das siglas que identificavam o movimento estudantil com a classe média a que seus líderes em geral pertenciam” (1988) 1968: o ano que não terminou. Rio de Janeiro, Nova Fronteira, p.105.

[7] Sobre a inserção social do estudante nos anos sessenta, ver Ridenti, Marcelo (1993) O fantasma da revolução brasileira. São Paulo, Unesp. De acordo com o autor, “a maior parte daqueles que chegavam à universidade nos anos 60 pertencia a setores sociais que não estavam dentre os mais desfavorecidos”. Edson Luis, que se preparava para ingressar no ensino superior, representava justamente a “radicalização do movimento estudantil brasileiro, provenientes dos setores da população mais pobre” (pp.141-143).

[8] O termo “manifestações diabólicas” comparece no editorial “Basta de agitação”, de O Globo, 3 de abril de 1968, no qual o jornal critica a ação dos “vândalos”.

[9] Cf. “O América queria adiar”, O Globo, 4 de abril de 1968. Segundo a reportagem, havia no pedido do clube um cálculo econômico, pois, disputada no domingo, a partida poderia alcançar uma renda maior.

[10] Cf. “Cavalarianos cercam o povo na saída da Igreja”, Jornal do Brasil, 5 de abril de 1968.

[11] Cf. “Cavalaria ataca povo com espada após a missa”, Correio da Manhã, 5 de abril de 1968.

[12] Cf. “UNE verta passeata após ato religioso” e “Exército: missa só na Igreja”, ambas as matérias publicadas no Correio da Manhã, 4 de abril de 1968.

[13] Cf. “No fim da missa PM gritava: mata”, Correio da Manhã, 5 de abril de 1968.

[14] Cf. “Milagre na Candelária”, O Globo, 5 de abril de 1968.

[15] Cf. “´Débil mental` é preso como comunista”, Jornal do Brasil, 5 de abril de 1968.

[16] Butler, Judith (2016) Quadros de guerra: quando a vida é passível de luto? Rio de Janeiro, Civilização Brasileira. A respeito da morte de pobres e negros no Brasil, os dados mais recentes do Atlas da Violência, publicados pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), mostra a atualidade da indagação do jovem da Avenida Rio Branco: “três de cada quatro pessoas assassinadas em 2016” eram “negros e pardos” Cf. “Homens, negros e jovens são os que mais morrem e os que mais matam”, Folha de S. Paulo, Caderno: E agora Brasil? Segurança Pública. 21 de abril de 2018.

[17] Cf. “´Débil mental` é preso como comunista”, Jornal do Brasil, 5 de abril de 1968 e “DOPS rouba civis e espanca os presos”, Correio da Manhã, 5 de abril de 1968.

[18] Cf. “´Débil mental` é preso como comunista”, Jornal do Brasil, 5 de abril de 1968

[19] Cf. “Samba marca 70 anos de Pixinguinha” e “”Pixinguinha comemora seus 70 anos com lágrimas nos olhos e cercado de amigos”, ambas as matérias publicadas no Jornal do Brasil, 24 de abril de 1968.

[20] Trata-se de uma alusão ao belo livro de Moura, Gisella de Araújo (1998) O Rio corre para o Maracanã. Rio de Janeiro, Fundação Getúlio Vargas.

[21] Cf. “As confissões de Nelson Rodrigues”, O Globo, 28 de janeiro de 1970. Eis a frase do autor: “No Estádio Mário Filho, ex-Maracanã, vaia-se até minuto de silêncio e, como dizia o outro, vaia-se até mulher nua”.

[22] Cf. “Empate castigou o Flamengo, premiando o trabalho rubro”, O Globo, 5 de abril de 1968

Categories ,

About the Author

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *